sexta-feira, janeiro 28, 2005

A cura não é a ausência de sofrimento

"A atenção plena, uma consciência mais profunda, não é algo que possamos dirigir, que possamos criar só com o poder do nosso pensamento. A atenção plena é uma forma de estar que surge quando nos tornamos mais conscientes dos nossos impulsos habituais, da nossa natureza condicionada, dos nossos padrões de pensamento e de comportamento e começamos a não permitir que esses hábitos ditem a nossa forma de responder ao mundo. A atenção plena não deixa automaticamente de me fazer sentir invadido por pensamentos e por memórias, mas ajuda-me a viver numa relação mais harmoniosa com eles. Ao colocar a atenção na respiração, consigo ver que os pensamentos são apenas pensamentos - mudam, transformam-se e vão e vêm como nuvens passageiras. Podemos facilmente deixar-nos apanhar pelos nossos pensamentos, presos na ilusão de que são a realidade. Ao colocar a atenção na respiração, torno-me o observador dos pensamentos, sentimentos e percepções, sem me ligar a eles nem os rejeitar. Esta é a prática da atenção plena. Esta é uma prática que leva à libertação e à paz.


foto ©Calica 2004

Há ainda momentos em que as minhas experiências da guerra estão aqui no momento presente. Quando estes pensamentos, sentimentos e percepções entram fortemente na minha consciência concentro-me em nem me ligar ao que surge nem o rejeitar. Em vez disso concentro-me em apenas respirar, e ao mesmo tempo em estabelecer uma relação diferente, mais harmoniosa, com este sofrimento. Isto não significa que estes pensamentos, sentimentos e percepções desaparecem, pois isso não acontece. A cura não é a ausência de sofrimento. O que acontece é que através deste processo de estar mais presente na minha própria vida, paro de tentar rejeitar o sofrimento. Isto é cura e transformação. A prática da meditação da atenção plena sustém-me em participar na realidade da minha vida sem julgamento.

Para viver no momento presente e encontrar paz nas nossas vidas temos de estar atentos em tudo o que fazemos, em cada acto que iniciamos: a forma de abrir uma porta, a forma de colocar um prato no armário, a forma de trabalhar, a forma de falar com outra pessoa, a forma de atar os sapatos, de dar um passo, de sentar, de lavar os dentes, de conduzir um carro. Nem sempre é fácil. Facilmente nos deixamos distrair pelos pensamentos, por imagens do passado e do futuro, por sonhos, por esperanças, por arrependimentos. Portanto enquanto vivia na comunidade "Plum Village" em França, aprendi a prática de usar um sino para me lembrar para voltar à minha respiração, um sino de atenção plena. Durante as palestras e retiros, um sino soa de vez em quando. Quando ouvimos o sino, é um convite a voltar à nossa respiração.

O sino de atenção plena não é apenas um tradição budista. Na Idade Média era uma tradição cristã: quando o sino da igreja tocava, era um convite a parar de trabalhar e reflectir por um momento nos presentes que recebemos ou na natureza das nossas vidas.

Posso perder-me tão facilmente no passado e no futuro que por vezes trago um sino comigo e uso-o muitas vezes quando dou palestras para que todos parem e respirem e simplesmente estejam no presente. Mas não é necessário andar com um sino a sério. Se quisermos, podemos encontrar sinos de atenção plena por todo o lado. Se escutarmos com atenção, o sino toca constantemente à nossa volta."

Um extracto do livro de Claude Anshin Thomas, de que lemos outras passagen no encontro de ontem à noite na UBP.