domingo, janeiro 30, 2005

A minha prática é a paciência


Os monges Theravada que vamos receber em Abril pertencem ao mosteiro Amaravati, que segue a tradição da Floresta de Ajahn Chah. O responsável pelo mosteiro é Ajahn Sumedho que esperamos que um dia também possa cá vir. Esta palestra dele é muito interessante:

A minha prática é a paciência:

Quando fui pela primeira vez a Wat Pah Pong não conseguia entender a língua, Lao. E nessa altura Ajahn Chah estava no seu máximo, e dava três-quatro desanas (palestras) à noite. Ele não parava, e toda a gente o adorava, era um óptimo orador, com muito humor, e toda a gente adorava ouvi-lo. Mas quando não se compreendia a língua....! Ficava ali sentado a pensar ‘quando é que ele pára, estou a perder o meu tempo.’ E ficava mesmo zangado, a pensar: 'estou farto, vou-me embora'.

Mas não tinha lata para me ir embora, e ficava para ali a pensar: ‘Vou para outro mosteiro. Estou farto disto; não vou continuar com isto’. E então ele olhava para mim - ele tinha o mais radioso dos sorrisos - e dizia: ‘Estás bem?’ E de repente toda a cólera que se tinha acumulado durante essas três horas se desvanecia.

É interessante, não é? Depois de estar ali a torturar-me durante três horas, tudo pode apenas desaparecer. Então fiz o voto de que a minha prática seria a paciência, e que durante todo o tempo eu cultivaria a paciência. Iria a todas as palestras e sentar-me-ia o tempo todo, enquanto o conseguisse fisicamente. Estava determinado a não faltar, a não tentar sair e a praticar a paciência.

E ao fazê-lo comecei a perceber que a oportunidade de ser paciente me ajudou muito. A paciência é uma base muito sólida para a minha percepção e compreensão do Dhamma; sem isso teria vagueado e desviado do rumo, como acontece com tantas pessoas. Muitos ocidentais vieram para Wat Pah Pong e desviaram-se porque não eram pacientes. Não quiseram sentar-se durante as palestras de 3-4 horas e ser pacientes. Queriam ir para lugares onde pudessem obter iluminação súbita e ter o assunto rapidamente resolvido à maneira deles.

Através dos desejos egoístas e das ambições que nos guiam, mesmo no caminho espiritual, não podemos apreciar as coisas como elas são. Quando reflecti e contemplei a minha vida em Wat Pah Pong dei-me conta que na realidade era uma situação excelente: tinha um bom professor, tinha o suficiente para comer, os monges eram bons monges, os laicos eram muitos generosos e gentis e havia encorajamento para a prática do Dhamma. Isto é o melhor que se pode ter, é uma oportunidade maravilhosa. E contudo muitos ocidentais não o viam porque tinham tendência para pensar: ‘Não gosto disto; não quero aquilo; deveria ser doutra maneira’ E ‘O que eu penso é que... o que eu sinto é... Não quero ser incomodado com isto e aquilo.’

Naquela altura eu era um monge muito novo e uma noite Ajahn Chah levou-me a uma festa de aldeia - Acho que Satimanto Bhikkhu estava lá nessa altura. Éramos praticantes muito sérios e não queríamos nenhuma espécie de frivolidade ou tolice. E, claro, ir a uma festa de aldeia era a última coisa que gostaríamos de fazer - pois em todas aquelas aldeias, eles adoram altifalantes. Seja como for, Ajahn Chah levou-me e Satimanto a esta festa, e tivemos de ficar sentados toda a noite com o som roufenho dos altifalantes - e monges a falarem durante toda a noite! Eu só pensava 'Oh, quero voltar à minha gruta - monstros verdes e fantasmas esqueléticos são melhor do que isto tudo.’ Reparei que Satimanto, que era incrivelmente sério, parecia realmente zangado e crítico e muito infeliz. Ficámos ali sentados com um ar miserável. Eu pensava: 'Por que é que Ajahn Chah nos traz para estas coisas?'

Depois comecei a ver por mim. Lembro-me de ter ficado ali sentado a pensar: ‘Aqui estou eu, todo perturbado com isto. Será que é assim tão mau? O que é realmente mau é o que faço com a situação. A minha mente é que é realmente miserável. Altifalantes e barulho, distracções e insónias, posso eu bem com isso, mas é essa coisa horrível na minha cabeça que odeia, que se ressente com tudo e quer ir embora - é essa a verdadeira miséria!'

Nessa noite vi quanta miséria podia criar na minha mente sobre coisas que na verdade conseguia suportar. Lembro-me disso como uma percepção muito clara sobre aquilo que eu achava que era realmente miserável. Ao princípio culpava as pessoas, os altifalantes, o barulho e o desconforto – pensei que isso é que era o problema. Depois percebi que não era; era a minha mente que estava miserável.

Se reflectirmos e contemplarmos o Dhamma, aprendemos com as situações de que menos gostamos - se tivermos a vontade e a paciência para o fazer.


http://www.buddhistnews.tv/current/sumedho-160604.php