"Quando um pião gira a grande velocidade, dá a impressão que está imóvel. Uma hélice em movimento parece não existir. Quando estamos num estado centrado e liberto, estamos livres da habitual consciência de ‘si’ e penetramos num oceano sem ego.
Um espelho reflecte os objectos sem distorções. A não-mente (mushin) é como um verdadeiro espelho, no qual podemos ver as coisas tal com elas são. Ver as coisas tal como elas são é a acção da não-mente e, simultaneamente, o reflexo directo da nossa vida mais pura e da compassiva natureza original. Ser como um espelho vazio é agir com frescura, novidade, de maneira directa, sem qualquer interferência da mente.
Enquanto pensarmos ‘não-mente’, não estamos em verdadeira não-mente; de facto, não há nenhuma distinção entre a ‘mente’ e a ‘não-mente’. A‘não-mente’ não é algo a ter em mente, mas sim as respostas espontâneas, livres em todas as nossas actividades diárias sem as superficiais intenções conscientes; o produto da actividade do intelecto é queimado sem deixar vestígios.
«Um dia o mestre Zen Ikkyu e o seu assistente passavam perto de uma loja onde alguém fritava enguias. “Que cheiro delicioso”, observou Ikkyu. Continuaram a caminhar em silêncio durante mais algum tempo, até que o assistente não se conteve mais. “Nós, monges, não comemos seres vivos”, desabafou, “e não lhe fica nada bem dizer tais coisas”. “Eu deixei lá as enguias”, respondeu Ikkyu. “Será que tu ainda as trazes contigo?»
Não podemos aspirar assim a esse estado de vazio absoluto pelo esforço deliberado de pôr fim a todos os nossos pensamentos. Seria um inútil devaneio, por mil anos que prosseguíssemos em tal prática. Devíamos estar já em não-mente. Aqui-Agora. As nossas acções provocam dano ao não estarmos em não-mente e contudo ao não estarmos em não-mente o universo não deixa de se mover na sua paz original."
Texto lido de Hogen Yamahata (No Caminho Aberto, ed. Assírio e Alvim) durante o nosso retiro citadino de domingo (que dia! vocês são lindos!)