quarta-feira, setembro 22, 2004

One Dharma

Introdução à leitura de “One Dharma” de Joseph Goldstein: proposta para os encontros de quinta-feira à noite na UBP Porto

Depois de 25 anos de imersão na tradição do Budismo Theravada, Joseph Goldstein encontrou-se no mosteiro Dai Bosatsu, no estado de Nova Iorque, a ouvir os ensinamentos de Nyoshul Khen Rinpoche, um conhecido mestre tibetano de Dzogchen. Apesar dos ensinamentos profundos que recebia, encontrava-se num dilema espiritual e não conseguia encontrar uma saída: os ensinamentos que estava a ouvir não coincidiam com toda a experiência que trazia da tradição Theravada, designadamente com o modelo Burmanês. Depois de várias semanas de esforços em vão, na tentativa de conciliar aspectos das duas escolas, tornou-se claro que não iria resolver o dilema simplesmente através da mente racional. O que fazer? Beneficiava imensamente de ambas as práticas e ensinamentos e respeitava os diferentes professores de ambas as tradições. Desta luta surgiu espontaneamente um momento de transformação. Joseph Goldstein deu-se conta que em relação às questões que o preocupavam especialmente, relacionadas com a natureza última da mente totalmente iluminada, ele pura e simplesmente não sabia. E um novo mantra emergiu como resposta a este conflito: “Quem sabe?”

Este “não saber”, para ele, não era ignorância e confusão – era uma libertação da prisão que criara para si próprio ao longo dos anos, com base nos modelos e conceitos espirituais que acumulara. Uma brisa refrescante varreu algumas dessas opiniões estabelecidas sobre a natureza última da realidade. A consciência (awareness) é o fim do caminho espiritual ou é um meio para chegar a um fim? Ou ambas as coisas? Qual a natureza da consciência? Em vez de se agarrar a conclusões, tornou-se mais interessante e espiritualmente vital agarrar-se às perguntas.

“Não saber” permitiu-lhe incluir uma grande variedade de perspectivas e encarar os diferentes pontos de vista e métodos como meios hábeis de libertação, e não verdades absolutas. Meios hábeis é uma expressão muito frequente na literatura budista e refere-se a métodos e práticas particulares usados para ajudar os estudantes a libertarem-se das cadeias da ignorância. Como meios hábeis podemos usar tudo o que possa ser útil, tudo o que possa servir. Para cada um de nós, em tempos e tradições diferentes, diferentes métodos e construções filosóficas podem ser utilizados, para dar conta dos mais diversos temperamentos, backgrounds, e capacidades. Alguns podem achar a linguagem da vacuidade estéril como um deserto. Outros podem encontrar aí o coração da libertação. Outros ainda podem achar que o caminho da devoção os liberta do Ego, enquanto para outros a devoção pode funcionar como uma nuvem de auto-ilusão. Cada um de nós precisa de grande honestidade e introspecção e eventualmente da orientação de um professor para encontrar o seu “meio hábil”.

Como o Dalai Lama disse num encontro inter-religioso: “Isto está certo para mim. A vossa forma de compreensão estará certa para vós.”

Ao longo da história do budismo e de outras religiões, têm havido muitas disputas sobre determinados pontos teóricos ou de interpretação. Ideias de “certo” e errado” rapidamente geram a separação entre “nós” e “os outros”. O apego às nossas concepções torna-se a base das nossas construções ideológicas e metafísicas. Mas se pensarmos nessas concepções como “meios hábeis”, ferramentas que evocam novas formas de percepção e compreensão, métodos para abandonar o sofrimento, então torna-se mais fácil estarmos abertos a outros pontos de vista e torna-se possível aprendermos uns com os outros.


adaptado livremente de “One Dharma” de Joseph Goldstein





©JR 2004