quarta-feira, setembro 29, 2004

Um Roshi no Corredor da Morte

A primeira vez que "ouvi" falar de Shodo Harada Roshi (estava longe de imaginar que o João iria para Sogen-ji), foi através deste artigo: A Roshi On the Row. Muito tocante. Desde aí a minha fotografia preferida de Shodo Harada Roshi é esta, a preto e branco (e de alguma forma é como o vejo na ligação com este artigo):


foto de The Way of Zazen

Ao sol da manhã

Ao sol da manhã
uma gota de orvalho
precioso diamante.

- Matsuo Basho (1644-1694)

O precioso nascimento humano

Traduzi uma parte do livro "One Dharma" sobre o precioso nascimento humano, em que Joseph Goldstein descreve a nossa existência como seres humanos nestes termos: "é como se de alguma maneira tivéssemos chegado a uma fabulosa ilha do tesouro, onde, se soubermos como, todas as coisas boas estão ao nosso alcance". Decerto que a maior parte do tempo não vemos as nossas vidas assim, e por isso sempre nos falta alguma coisa. Temos sempre fome e sede, quando a abundância está bem ali à nossa frente. Joseph acentua um dos princípios mais básicos do ensinamento budista: todas as experiências, incluindo a própria vida, não surgem por acaso, mas pela reunião de todas as causas e condições necessárias, ou seja, porque praticámos acções meritórias. A água congela quando está a determinada temperatura, não apenas porque desejamos que congele. Da mesma forma, as condições para obtermos uma forma humana – e sejam quais forem as nossas circunstâncias presentes – são as nossas boas acções passadas.

Depois da tradução, fui procurar informações sobre Mirabai, uma das mais famosas poetas bakhta do Norte da Índia, que mencionei no nosso último encontro das quintas a propósito do caminho da devoção (bakhti). Ao fazer uma pesquisa na Net, dei com um poema... sobre o precioso nascimento humano. E ela diz "Nós não obtemos uma vida humana só por pedirmos." Será que o sr. Goldstein leu Mirabai? :)



Nós não obtemos uma vida humana
Só por pedirmos.
Nascimento sob um corpo humano
É a recompensa por boas acções
Em nascimentos anteriores.
A vida flui e reflui imperceptivelmente,
Não permanece para sempre.
A folha que uma vez caiu
Não volta ao ramo.
Olha o Oceano de transmigração
Com a sua rápida, irresistível maré.
Ó Lal Giridhara (Krishna), ó piloto da minha alma,
Conduz rapidamente a minha barca para a outra margem.
Mira é a escrava de Lal Giridhara.
Ela diz: a vida dura mas apenas uns dias


Mirabai, a mais famosa poeta bakhta do Norte da Índia (séc. XVI)




terça-feira, setembro 28, 2004

Os visitantes

Uma das mensagens mais poderosas do Buda, é que o estado natural da mente é luminoso e puro. O sofrimento vem dos nossos “atormentadores” - estados como o medo, a culpa, a cólera, a cobiça. Quando os nossos atormentadores batem à porta e os convidamos a entrar, perdemos o contacto com o estado luminoso da mente. Se os acolhermos apenas como visitantes de passagem, e não nos identificarmos com eles, vamos ter consciência que não reflectem o que realmente somos. O nosso desafio é vê-los como são e lembrar a nossa verdadeira natureza.

adaptado de Lovingkindness, the revolutionary art of Happinness, de Sharon Salzberg


©JR 2004

segunda-feira, setembro 27, 2004

O Sutra do Coração

Evidentemente, alguns dos versos do poema de Adyashanti fazem-me retornar ao Sutra do Coração

Mais um poema de despertar

Já referi aqui o meu encontro "virtual" com Adyashanti. Da longa conversa em que ele conta a sua viagem espiritual, aqui vai o poema que escreveu na manhã em que "despertou":

Today I awoke, finally I see the Self has returned to the Self.
The Self is none other than the Self.
I am deathless. I am endless. I am free.
The birds outside sing and there am I.
The seeing of leaves on the trees, that seeing am I.
The body breathes, breathing am I.
I am awake and I know that I am awake.
Seen from the old eyes, everything is asleep, a game, a delusion.
But now I am awake. I am the play. I am the game. I am the delusion.
I am the enlightenment I sought, looking everywhere.
Nothing is separate, nothing is alone.
I am all that I see.
All that I smell, taste, touch, feel, think and know.
I am awake and this awakeness is the same as Shyakyamuni Buddha's
Today the leaf has returned to the root.
I am all name and form and beyond all name and form.
I am Spirit, no longer trapped in a body.
I am free. I am free because I am awake.
So ordinary.
Who would have thought ?
Who could have guessed ?
I am home.
I am really home.
Ten thousand life times.
Ten thousand life times but today I am home.
Ten thousand life times but today I am home.
This is not an experience. This is me.
I am awake. Finally, I am awake.
Nothing has changed, but I am awake.
Before I tasted the root many times and felt?
How delicious.
Today I became the root. How ordinary.



Hoje acordei, finalmente vejo que o Eu voltou ao Eu.
O Eu nada é mais do que o Eu.
Sou imortal, sou infinito, estou livre.
Os pássaros cantam lá fora e aqui estou eu.
Olhar as folhas das árvores, esse olhar sou eu.
O corpo respira, eu sou o respirar.
Estou desperto e sei que estou desperto.
Ao ver com o antigo olhar, tudo está adormecido,
tudo é jogo, ilusão.
Mas agora estou desperto.
Sou a jogada, sou o jogo, sou a ilusão.
Sou a iluminação por que ansiava, procurando por todo o lado.
Nada está separado, nada está só.
Sou tudo o que vejo.
Tudo o que cheiro, provo, toco, sinto e sei.
Estou desperto, e este despertar é o mesmo do Buda.
Hoje a folha volta à raiz.
Sou todo nome e forma e para lá do nome e da forma.
Sou Espírito, deixei de ser prisioneiro de um corpo.
Sou livre. Sou livre porque acordei.
Tão vulgar.
Quem haveria de pensar?
Quem poderia adivinhar?
Estou em casa.
Cheguei mesmo a casa.
Dez mil vidas.
Dez mil vidas mas hoje estou em casa.
Dez mil vidas mas hoje estou em casa.
Isto não é uma experiência.
Isto sou eu.
Despertei. Finalmente, despertei.
Nada mudou, mas despertei.
Provei a raiz muitas vezes e sentia...?
Que delícia.
Hoje tornei-me a raiz.
Que vulgar.



foto de Adyashanti: ©Bill Lange, no site Zen Satsang

Oásis

Ninguém imaginaria que no meio de um denso aglomerado populacional em Ermesinde pudesse haver um oásis... mas há! Será o "nosso" centro de retiros de 3 a 5 de Outubro. A casa é gerida por um grupo católico que centra a sua prática naquilo a que muitos budistas chamariam Karma Yoga - o Yoga da Acção, dito de outra forma, a oferenda do nosso trabalho em benefício de todos os seres. Alguns também chamariam a isso "servir". Ao servir cultivamos o desapego, e sobretudo o desapego em relação ao fruto da nossa acção. Um artigo que explica o Karma Yoga do ponto de vista hindu: What is Karma Yoga?



Centro de retiros do Movimento Oásis


sexta-feira, setembro 24, 2004

O Construtor

Viajei através da roda de inúmeros nascimentos,
À procura, mas sem nunca encontrar o construtor desta casa.
Doloroso é nascer sempre e sempre.
Oh Construtor, agora foste visto,
Não vais construir mais casas.
As tuas traves [=obscurecimentos] foram quebradas,
A tua viga mestra [=ignorância] foi destruída.
A minha mente atingiu o incondicionado,
Alcançado está o fim do desejo.



©JR 2004


Segundo a tradição, foram estas as palavras proferidas pelo Buda após a libertação - e foram lidas ontem, no nosso encontro das quintas-feiras à noite. Parece que vamos continuar na exploração do "One Dharma"!

quinta-feira, setembro 23, 2004

O que é "Um Dharma"?

Há mil anos atrás, um monge da universidade de Nalanda chamado Atisha viajou da Índia para o Tibete para aí ajudar a restabelecer a pureza da via monástica. Em determinada altura, encontrou-se com um dos mais conhecidos tradutores de textos budistas para tibetano, que lhe perguntou qual era a melhor prática. Atisha respondeu: “deves procurar o ponto essencial comum a todos os ensinamentos e praticar essa via”. “Um Dharma” é apenas isto: experienciar o ponto essencial comum a todos os ensinamentos. Mas com tradições e escolas tão diferentes, e formas de prática tão diversas, como encontrar essa essência comum? Duas coisas nos podem ajudar.

Primeiro, necessitamos de criar uma base de compreensão que sustentará a nossa investigação mais profunda. Como muitos de nós não cresceram numa cultura budista, temos de adquirir alguma profundeza na compreensão e na experiência de uma prática antes de podermos olhar com alguma inteligência e encontrar o que há de comum entre os mais diversos caminhos. Em segundo lugar, precisamos cultivar uma atitude de abertura a diversos pontos de vista, bem assim como uma disposição para aprender com as mais diferentes perspectivas.


©JR 2004

No Um Dharma do Budismo emergente ocidental, o método é a atenção plena (mindfulness), a expressão é a compaixão e a essência é a sabedoria.

Atenção plena, o método, é a chave para o presente. Sem ele, ficamos perdidos no vaguear das nossas mentes. A atenção serve-nos das formas mais humildes, ligando-nos aos actos mais simples do dia-a-dia, desde lavar os dentes até tomar uma chávena de chá. O Buda também falou da atenção plena como uma caminho para o despertar completo.

A expressão de “Um Dharma” é a compaixão. Quando estamos atentos ao momento presente, a compaixão torna-se a resposta natural dada ao sofrimento que encontramos à nossa volta. Quando nos abrimos para o sofrimento, há um movimento simples e espontâneo do coração, que quer ajudar como puder. Às vezes através de pequenos gestos de simpatia, outras vezes através de atitudes mais corajosas. Podemos igualmente cultivar a compaixão como uma prática, fortalecendo a resposta intuitiva que existe dentro de nós. Nyoshul Khen Rinpoche trouxe esta prática para a vida, da maneira mais simples e directa: “Gostaria de dar um pequeno conselho, que sempre dou a todos: descontraiam-se! Apenas descontraiam-se! Sejam simpáticos uns com os outros. Enquanto percorrem a vida, sejam gentis com as pessoas. Tentem ajudá-las em vez de magoá-las. Tentem dar-se com elas em vez de se zangarem com elas. Com isto, deixo-vos, com os meus melhores votos.”

A essência de Um Dharma é sabedoria. A perfeição da sabedoria é a luz que ilumina as nossas vidas, revelando tanto as causas como o fim do sofrimento. Através da atenção ao momento presente, vemos a natureza impermanente dos fenómenos e compreendemos a felicidade de “não nos agarrarmos”. E ao não nos agarrarmos, experienciamos por nós mesmos o despertar inato da mente de sabedoria.

Não basta sabermos isto conceptualmente, ou então ficaremos satisfeitos com breves lampejos de compreensão. Um ensinamento do Buda serve como um aviso profundo enquanto estamos imersos na pressa do mundo. Quando praticamos, a sabedoria aumenta, quando não praticamos diminui. A sabedoria não é algo que adquirimos uma vez e ficamos com ela para sempre. É antes uma compreensão que precisamos alimentar e desenvolver nas nossas vidas. A via do Buda é vasta, o nosso potencial é ilimitado. Está nas nossas mãos dar o próximo passo.


adaptado de One Dharma de Joseph Goldstein

quarta-feira, setembro 22, 2004

One Dharma

Introdução à leitura de “One Dharma” de Joseph Goldstein: proposta para os encontros de quinta-feira à noite na UBP Porto

Depois de 25 anos de imersão na tradição do Budismo Theravada, Joseph Goldstein encontrou-se no mosteiro Dai Bosatsu, no estado de Nova Iorque, a ouvir os ensinamentos de Nyoshul Khen Rinpoche, um conhecido mestre tibetano de Dzogchen. Apesar dos ensinamentos profundos que recebia, encontrava-se num dilema espiritual e não conseguia encontrar uma saída: os ensinamentos que estava a ouvir não coincidiam com toda a experiência que trazia da tradição Theravada, designadamente com o modelo Burmanês. Depois de várias semanas de esforços em vão, na tentativa de conciliar aspectos das duas escolas, tornou-se claro que não iria resolver o dilema simplesmente através da mente racional. O que fazer? Beneficiava imensamente de ambas as práticas e ensinamentos e respeitava os diferentes professores de ambas as tradições. Desta luta surgiu espontaneamente um momento de transformação. Joseph Goldstein deu-se conta que em relação às questões que o preocupavam especialmente, relacionadas com a natureza última da mente totalmente iluminada, ele pura e simplesmente não sabia. E um novo mantra emergiu como resposta a este conflito: “Quem sabe?”

Este “não saber”, para ele, não era ignorância e confusão – era uma libertação da prisão que criara para si próprio ao longo dos anos, com base nos modelos e conceitos espirituais que acumulara. Uma brisa refrescante varreu algumas dessas opiniões estabelecidas sobre a natureza última da realidade. A consciência (awareness) é o fim do caminho espiritual ou é um meio para chegar a um fim? Ou ambas as coisas? Qual a natureza da consciência? Em vez de se agarrar a conclusões, tornou-se mais interessante e espiritualmente vital agarrar-se às perguntas.

“Não saber” permitiu-lhe incluir uma grande variedade de perspectivas e encarar os diferentes pontos de vista e métodos como meios hábeis de libertação, e não verdades absolutas. Meios hábeis é uma expressão muito frequente na literatura budista e refere-se a métodos e práticas particulares usados para ajudar os estudantes a libertarem-se das cadeias da ignorância. Como meios hábeis podemos usar tudo o que possa ser útil, tudo o que possa servir. Para cada um de nós, em tempos e tradições diferentes, diferentes métodos e construções filosóficas podem ser utilizados, para dar conta dos mais diversos temperamentos, backgrounds, e capacidades. Alguns podem achar a linguagem da vacuidade estéril como um deserto. Outros podem encontrar aí o coração da libertação. Outros ainda podem achar que o caminho da devoção os liberta do Ego, enquanto para outros a devoção pode funcionar como uma nuvem de auto-ilusão. Cada um de nós precisa de grande honestidade e introspecção e eventualmente da orientação de um professor para encontrar o seu “meio hábil”.

Como o Dalai Lama disse num encontro inter-religioso: “Isto está certo para mim. A vossa forma de compreensão estará certa para vós.”

Ao longo da história do budismo e de outras religiões, têm havido muitas disputas sobre determinados pontos teóricos ou de interpretação. Ideias de “certo” e errado” rapidamente geram a separação entre “nós” e “os outros”. O apego às nossas concepções torna-se a base das nossas construções ideológicas e metafísicas. Mas se pensarmos nessas concepções como “meios hábeis”, ferramentas que evocam novas formas de percepção e compreensão, métodos para abandonar o sofrimento, então torna-se mais fácil estarmos abertos a outros pontos de vista e torna-se possível aprendermos uns com os outros.


adaptado livremente de “One Dharma” de Joseph Goldstein





©JR 2004

terça-feira, setembro 21, 2004

Meditação Metta

Hoje à noite, na nossa sala, em Aníbal Cunha, vamos praticar meditação Shamatha e Metta. A meditação Shamatha visa a calma mental e o método mais usado é a atenção à respiração. A palavra Metta pode ser traduzida por "Amor", o primeiro dos Quatro Pensamentos Ilimitados (os outros são a Compaixão, o Regozijo pela felicidade de outrém e a Equanimidade). Frequentemente o que entendemos como amor é mais do domínio do apego/egoísmo ou de uma espécie de "troca". O sentido de metta, pelo contrário, é o de um amor/amizade incondicional. Amizade para connosco e para com tudo o que nos rodeia.

A meditação Metta visa atenuar as barreiras que criámos ao nosso redor e assim estabelecer uma conexão com o mundo. A prática começa connosco, com a abertura a tudo o que somos - não só ao lado que gostamos ou que mostramos ao mundo, mas a tudo o que somos ou apenas suspeitamos que somos. Para isso repetimos frases do tipo "que eu seja feliz", "que eu esteja em paz", algo que desejamos profundamente para nós mesmos. O exacto teor destas frases não é tão importante quanto a vontade de nos englobar e nos tornarmos amigos de tudo aquilo que somos. Só depois passamos para outros seres: alguém de quem gostamos (pode ser um animal), alguém que nos é indiferente e depois alguém com quem temos "problemas". Podemos não começar com alguém com quem tenhamos ENORMES dificuldades se não estivermos dispostos a isso, pois o objectivo não é forçar uma abertura de coração que ainda não exista. Finalmente, incluimos todos os seres neste "abraço" de amizade. Enviamos as frases que escolhemos em todas as direcções, incluindo todos os seres, sem exclusões. No final, um período de silêncio.

Sempre que voltamos a mente para algo de bom, para pensamentos de amor, sempre que praticamos actos de generosidade, incluindo a meditação, estamos a gerar uma energia positiva e a força desta energia influencia a "nossa" vida, a própria vida.

sábado, setembro 18, 2004

massagem de som

The Temple bell stops
But the sound keeps coming
Out of the flowers

(Basho)


Este fim-de-semana, uma cura de relaxamento! Estamos numa formação em massagem de som, com a Ingrid Ortelbach. O criador desta terapia é Peter Hess. Vale a pena uma olhada na página do Instituto de Terapia de Massagem Som. Fascinante e intrigante - quem diria que uma massagem de som poderia ser mais profunda do que uma massagem "normal"?


Foto ©UBP Porto 2004

quinta-feira, setembro 09, 2004

Histórias de despertar

"Quando despertar num determinado momento no futuro já não te satisfaz, então estás pronto/a."

"O despertar pode ser medido por quão compassivamente e sabiamente interagimos com os outros; com todos os outros, não apenas aqueles que nos dão apoio da forma que nós queremos. Como interagimos com aqueles que não nos apoiam mostra o quanto estamos despertos."

Palavras da minha última descoberta online: Adyashanti. O ensinamento dele tem sido comparado ao de alguns dos primeiros mestres Chan e ao de professores de Advaita Vendanta. O percurso de Adyashanti é fabuloso (e muito simples ao mesmo tempo) e pode ser lido aqui, em pdf. No mesmo site contam-se outras histórias de despertar. Por exemplo, a de Aruna, que segundo ela própria diz, atingiu a realização ao ouvir esta frase: "A felicidade que sentes não significa nada. No fim de contas, vai desaparecer. Vai até à fonte dos teus pensamentos e saberás quem és."

"Não és o corpo, não és os sentimentos e não és os pensamentos. És a consciência silenciosa que observa tudo isso. Repousa a mente nesse silêncio e descobrirás quem realmente és." (Aruna)



Foto ©Calica 2004

segunda-feira, setembro 06, 2004

Uma gota

Sábado tivemos a nossa primeira sessão de zazen depois das férias. Connosco estava o João, de visita depois de um ano em Sogenji, um mosteiro no Japão aberto a estudantes de Zen não japoneses. Mais tarde, ao jantar, ele recordou uma das histórias que fazem parte de Sogenji e das comunidades "One Drop Zendo" orientadas por Shodo Harada Roshi.

No século XIX, quando Gisan Zenrai Zenji se tornou abade de Sogenji, muitos monges se juntaram no mosteiro para estudar, por vezes mais de cem. Entre eles havia um chamado Giboku Zenji. Giboku tinha dezanove anos, idade suficiente para acreditar que sabia fazer bem as coisas. Um dia ele estava a preparar o banho para o mestre Gisan. A água do banho estava demasiado quente, e ele foi buscar baldes de água do poço para a arrefecer. Quando já estava quase a ficar suficientemente fria, ele pousou o último balde, com algumas gotas no fundo. Antes de ir buscar mais água, deitou no chão essas últimas gotas. Como ia buscar mais, provavelmente pensou que essas não seriam necessárias. Gisan Zenrai Zenji observava o que ele fazia e perguntou-lhe:

"O que é que acabaste de fazer?"

"Fui buscar mais água"

"E antes de carregar a água, o que fizeste?"

"Deitei fora a que restava"

"Se treinares com uma mente assim, não importa quanto treino faças, ou durante quanto tempo, não vais despertar. Aquelas gotas de água, se as deitas fora, qual será a utilidade? Se as levares para o jardim e com elas regares algumas plantas, então as plantas darão vida, e a água também terá dado vida. Se com elas regares os pepinos, então os pepinos ficarão satisfeitos, e a água também."

Quem toma votos tem uma responsabilidade para com a vida, mas isso não pode ser feito com tanta falta de atenção. Giboku pensava que já percebia tudo. Ao ser reprendido, percebeu que podia aprender muito com uma gota de água. Tomou o nome de Tekisui Zenji, "Uma Gota de Água Zenji".

Escreveu este poema antes de morrer:

Uma gota de água de Sogen,
Durante setenta e quatro anos
foi usada, nunca esgotada,
Nos céus e na terra.


A história "one drop": Sogen's One Drop


Shodo Harada Roshi, ©JR 2004

quinta-feira, setembro 02, 2004

O grito

Um dia um grande filósofo perguntou aos seus discípulos o seguinte:
Porque as pessoas gritam quando estão aborrecidas?
Os homens pensaram por alguns momentos:
Porque perdemos a calma - disse um deles - por isso gritamos.
Mas, porque gritar quando a outra pessoa está ao teu lado? - perguntou o filósofo. Não é possível falar-lhe em voz baixa?
Porque gritas a uma pessoa quando estás aborrecido?
Os homens deram algumas respostas, mas nenhuma delas satisfazia ao filósofo.
Finalmente ele explicou: Quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito.
Para cobrir esta distância precisam gritar para poder escutar-se. Quanto mais aborrecidas estejam, mais forte terão que gritar para escutar-se um ao outro através desta grande distância.
Em seguida o filósofo perguntou:
- O que sucede quando duas pessoas se enamoram?
Elas não se gritam, mas sim, se falam suavemente, por quê?
- Seus corações estão muito perto.
A distância entre elas é pequena, continuou o filósofo.
- Quando se enamoram acontece mais alguma coisa?
- Não falam, somente sussurram e ficam mais perto ainda de seu amor.
Finalmente não necessitam sequer sussurrar, somente se olham e isto é tudo.
Assim é quando duas pessoas que se amam estão próximas.
Então, disse o filósofo:
- Quando discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não diga palavras que os distanciem mais, chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta.


Também não resisti a esta história, que o meu amigo brasileiro Wanderley incluiu no seu trabalho "Yamas e Nyamas - Histórias para crianças", que recebi hoje mesmo por email.

Haikus portugas

não te podes esconder
as tuas mãos cheiram
a tangerina

azul
com frases
de asas e água
o coração

o autocarro parou
veloz pela passadeira
um pardalito

estrondo feliz
no soalho do tédio
uma pétala que pousou

quatro sapatos
debaixo da japoneira
um beijo

© José Pedro Santos 2004



©JR 2004

Bem, já há algum tempo que queria pôr online a poesia do Zé Pedro
- olá, Marco de Canavezes!! :)

quarta-feira, setembro 01, 2004

A via

Afinal parece fácil: a via começa ao cultivarmos a abertura aos outros através da generosidade, da bondade, da fala e da acção justas. Sobre os alicerces destas qualidades de receptividade, purificamos a nossa mente através da prática da meditação. Ao meditar, vamos olhar para além da nossa ignorância básica que nos leva a acreditar que estamos separados, e aprofundar a experiência de interdependência com todas as coisas, com todos os seres.

Bem, eu disse que "parece" fácil.


©JR 2004

Também tinha dito que temos um ficheiro com imensas flores de lótus! :)